sexta-feira, 29 de abril de 2011

João

0 comentários
Continuo à espera debruçada na janela
Procuro parecer bonita e mantenho-me de pé
Quem passa pode pensar que pena dela
Nem ligo para tais olhares porque espero José

Nos cabelos trago coloridas pedras numa tiara
Permanecendo estática porque ainda tenho fé
De que quando ele chegue me encontre rara
E nesse meio tempo possa chamá-lo: Vem, José!

Meu vestido tão puído de esgarçada renda
Me faz lembrar da vida como ela é
Uma desgraçada gincana sem prenda
Muito me consola esperar por José

Um medo repentino me assola de antemão
Por isto fiz longa novena na Igreja da Sé
Algo queria enganar meu fraco coração
E com força disse: Ninguém me tira José

Se eu à janela não vejo chegar nem a maré
Não posso no fim da história dormir com a solidão
Se é certo que nunca chegará o dito José
Mudo meu apaixonado discurso e grito: João

segunda-feira, 11 de abril de 2011

JOÃO BATISTA PINHEIRO

0 comentários

Quando andava eu por entre magníficas obras de arte do mundo todo, lembrei-me de certo magnífico artista, digno de estar dependurado nas paredes de minha íntima "Pina".
O artista por quem sou mais apaixonada.
Aquele que me faz acreditar que há algo além da Arte.
O grande artista que deu vida a grandes figuras. Com fulgurantes olhos.
Um enorme artista.
Que me deu vida, através de sua história calcada no amor.
E que me reaviva, a cada dia, com suas palavras, com suas idéias, com seu caráter, e com suas tintas (cores).
Com minha tão pouca modéstia, sei que sou uma de suas mais belas obras.
Mas, opaca seria, mal desenhada, quase disforme seria, se não tivesse eu saído de ti.
Te amo, Jobat.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Eduardo Galeano

0 comentários
A noite /1
Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada em minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora;mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.

A noite /2
Arranque-me senhora, as roupas e as dúvidas. Dispa-me, dispa-me.

A noite/3
Eu adormeço às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo.

A noite/4
Solto-me do abraço, saio às ruas.
No céu, já clareando, desenha-se, finita,a lua.
A lua tem duas noites de idade.
Eu, uma.

Epitáfio

0 comentários
Aqui jaz o Sol
Que criou a aurora
E deu a luz ao dia
E apascentou a tarde

O mágico pastor
De mãos luminosas
Que fecundou as rosas
E as despetalou.

Aqui jaz o Sol
O andrógino meigo
E violento, que

Possui a forma
De todas as mulheres
E morreu no mar.

Vinícius de Moraes
Oxford, 1939

Soneto à lua

0 comentários
Por que tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas e sem fim
Quem és, quem és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros?

Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros?

Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:

E és tampouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética, indefesa
Ó minha branca e pequenina lua!

Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro, 1938