O amor chega; num campo de futebol, por exemplo, numa
segunda-feira chuvosa; depois da malhação de Judas em meio à algazarra; começa
em restaurantes indianos sujos, diferente do cenário ideal que se sonhou; de
repente, numa troca de notas durante a compra de pão em que as mãos se tocaram,
fazendo com que ela repita o esmalte vermelho por semanas, talvez ele possa
reconhecê-la por aí; no gris do crepúsculo; depois de um longo trajeto de
ônibus em que uma mão segura o corpo e a outra abraça um livro duro e frio; e
chega no enlace das mãos no cinema, como se o enlace das mãos gerassem dois
novos seres, como se as mãos soubessem antes que o amor chegaria; no despertar
do dia ao som das buzinas; e chega na feira em meio aos sabores das frutas suculentas
e aos “dissabores” das alfaces; e no vendedor de pamonhas e seu alto-falante;
chega na igreja, na reza, no encostar dos cotovelos; num acidente de carro
quando, em acordo, há troca de telefones; no salto alto da vizinha do andar de
cima; na pelagem de uma perna que passa; nas gravatas, nos biquínis; num poema;
chega quando se planeja uma viagem ao Japão, onde o amor pode vir às avessas,
escrito de baixo pra cima; o amor pode chegar; num carrinho de mão; no domingo,
depois de um macarrão com almondegas que “prendem o estômago”; no sonho de
parir, e se entregar em troca de sentir um amor maior, aquele que só traz o
carregar do rebento nos braços; em casas de pé direito alto, com móveis de
embaúba empertigados de nobreza, onde há mais interesse que paixão; e o amor
chega na ventania que derruba papéis importantes e dois se agacham
simultaneamente; num beijo de canto de boca; na doação de sangue; no ócio; na
praia, no campo, na Paulista, no Jardim Marisa; no aluguel de uma casa com um
único quarto, o amor começa; no inferno o amor não começa; na vontade de fazer
amor ; em barquinhos pra Iemanjá o amor pode virar lixo; no amor demasiado pode
virar crime; no egoísta, amor próprio; no aproveitador, bom negócio; numa carta
inesperada, o amor começa ; numa carta esperada, e o amor começa; no desejo
incontrolável; às vezes, começa à primeira vista; e muitas vezes começa nas bodas de prata ou ouro, quando realmente há tempo pra
reconhecer o amor; e começa na China; durante a visita às pirâmides do Egito;
num coração tantas vezes infartado, em que as recomendações médicas são: estão proibidas as fortes emoções; na janela
que se abre, na porta que se fecha; às vezes, não começa e ainda assim vive em
si, como um rim ou um baço e continua existindo até que alguém o bote pra fora;
às vezes, o amor começa como se nunca fosse acabar; e começa doce e afável; um
abraço, um silêncio e começa o amor; na história inventada; no rum, janeiro,
Carnaval, março; no primórdio século XIX, no saudoso século XX, na loucura do
XXI; em todos os lugares o amor começa, a qualquer hora o amor começa; de
qualquer jeito ele começa; o nosso começou na “rede”, e espero que no balanço
de uma rede, como em cena de filme, passados cem anos de seu começo, ele possa
acabar sem dor. Porque o amor acaba.
quarta-feira, 5 de junho de 2013
RECEITA DO HOMEM PERFEITO
Os outros que me perdoem.
Mas, vocês todos se parecem iguais.
Só ele, agora, me parece único, com sua natural graciosidade
e leveza.
Com malemolência e uma quase malandragem brasileira.
Mas, cheio de nobreza daquelas que só encontramos na Família Imperial Japonesa.
Passei a acreditar em alma gêmea.
Mas, ele nunca será metade.
É todo, inteiro.
É lindo.
E pousou com sutileza em minha vida, como pousa elegante uma
gaivota.
Tem na pele a cor do som e a cor do sol quando nasce.
Melódica, luzente. Uma mistura entre a morenice instigante e
a palidez sedutora.
Carrega presos em sua aura os olhares e desejos daquelas que
o tiveram ou sonharam em tê-lo.
E é assim que é.
Tem a raríssima destreza de surpreender.
Sem precisar, já que traz o mar no olhar, ainda traz naquele
verde de águas profundas, mas cristalinas, o brilho do anseio da plenitude.
Olhos que mesmo cerrados são belos como um livro de Neruda
lacrado.
Tem braços que além da força estão sempre dispostos ao mais
terno abraço.
É preciso dizê-lo.
Há em seu rosto a união do singelo e do exótico, e se não
lembra um templo (quiçá budista), ao tocá-lo estamos prostrados em prece.
Em paz.
Tem o corpo.
Um copo.
Uma taça que serve um bálsamo inigualável.
Mas, a boca é.
É do hálito mais fresco, de aroma inolvidável e que
transforma qualquer frase cotidiana em pura poesia.
E beija bem!
No corpo, o espaço justo para o meu.
Que me aninha como uma ave pequena e órfã.
E ali nada me falta.
Os pés, as mãos, os ossos, os cabelos, os poros, os pelos
nos convidam ao amor.
O cheiro inebria e se divulgado seria disputadíssimo entre
os maiores perfumistas do mundo.
As histórias, a voz, as palavras, o jeito de proferi-las é
um espetáculo à parte.
E nada se compara a este espetáculo.
Nem ao da neve que cai.
Nem ao da lua que brilha.
Nem ao da nuvem que vai.
A pele, macia, é sensível como a alma.
E não falemos mais em alma.
Porque o poeta avisou: “Se queres sentir a felicidade de
amar, esquece a tua alma. Deixe o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque
os corpos se entendem, mas as almas não.”
No entender dos
corpos percebo seus tantos centímetros a mais.
Ora me acolhe como um gigante, ora me exalta e me faz
grande.
Desconfio que Deus o tenha feito seguindo a mais perfeita
receita.
A vida é bem melhor depois de “descobri-lo”.
Tão melhor que chego a pensar que é sonho e me belisco.
Se ele não existisse, com sua generosidade ímpar, sua
entrega desmedida, sua alegria contagiante, sua paixão desenfreada,
certamente, eu o inventaria.
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