quarta-feira, 1 de julho de 2015

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Parola

Despeja as minhas palavras, amor,
Nas águas profundas do mar
Que elas ainda signifiquem amar,
Sofridas, sem ar, afogadas em torpor

Ou, jogue-nas no fogo ardente
A cada lambida se esvaia a prepotência
Mesmo o adjetivo mais quente
Derreta, perdendo sua íntima essência

Som, ar, energia dissipada
Que valem quase nada
Seja a frágil "inefável"
Ou a poderosa "cio"

Palavra é só palavra, frente
à força de um amor fremente
Que se faz mais presente
Em silêncio



sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O AMOR CHEGA

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O amor chega; num campo de futebol, por exemplo, numa segunda-feira chuvosa; depois da malhação de Judas em meio à algazarra; começa em restaurantes indianos sujos, diferente do cenário ideal que se sonhou; de repente, numa troca de notas durante a compra de pão em que as mãos se tocaram, fazendo com que ela repita o esmalte vermelho por semanas, talvez ele possa reconhecê-la por aí; no gris do crepúsculo; depois de um longo trajeto de ônibus em que uma mão segura o corpo e a outra abraça um livro duro e frio; e chega no enlace das mãos no cinema, como se o enlace das mãos gerassem dois novos seres, como se as mãos soubessem antes que o amor chegaria; no despertar do dia ao som das buzinas; e chega na feira em meio aos sabores das frutas suculentas e aos “dissabores” das alfaces; e no vendedor de pamonhas e seu alto-falante; chega na igreja, na reza, no encostar dos cotovelos; num acidente de carro quando, em acordo, há troca de telefones; no salto alto da vizinha do andar de cima; na pelagem de uma perna que passa; nas gravatas, nos biquínis; num poema; chega quando se planeja uma viagem ao Japão, onde o amor pode vir às avessas, escrito de baixo pra cima; o amor pode chegar; num carrinho de mão; no domingo, depois de um macarrão com almondegas que “prendem o estômago”; no sonho de parir, e se entregar em troca de sentir um amor maior, aquele que só traz o carregar do rebento nos braços; em casas de pé direito alto, com móveis de embaúba empertigados de nobreza, onde há mais interesse que paixão; e o amor chega na ventania que derruba papéis importantes e dois se agacham simultaneamente; num beijo de canto de boca; na doação de sangue; no ócio; na praia, no campo, na Paulista, no Jardim Marisa; no aluguel de uma casa com um único quarto, o amor começa; no inferno o amor não começa; na vontade de fazer amor ; em barquinhos pra Iemanjá o amor pode virar lixo; no amor demasiado pode virar crime; no egoísta, amor próprio; no aproveitador, bom negócio; numa carta inesperada, o amor começa ; numa carta esperada, e o amor começa; no desejo incontrolável; às vezes, começa à primeira vista; e muitas vezes começa nas bodas de prata ou ouro, quando realmente há tempo pra reconhecer o amor; e começa na China; durante a visita às pirâmides do Egito; num coração tantas vezes infartado, em que as recomendações médicas são:  estão proibidas as fortes emoções; na janela que se abre, na porta que se fecha; às vezes, não começa e ainda assim vive em si, como um rim ou um baço e continua existindo até que alguém o bote pra fora; às vezes, o amor começa como se nunca fosse acabar; e começa doce e afável; um abraço, um silêncio e começa o amor; na história inventada; no rum, janeiro, Carnaval, março; no primórdio século XIX, no saudoso século XX, na loucura do XXI; em todos os lugares o amor começa, a qualquer hora o amor começa; de qualquer jeito ele começa; o nosso começou na “rede”, e espero que no balanço de uma rede, como em cena de filme, passados cem anos de seu começo, ele possa acabar sem dor. Porque o amor acaba.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

RECEITA DO HOMEM PERFEITO

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Os outros que me perdoem.
Mas, vocês todos se parecem iguais.
Só ele, agora, me parece único, com sua natural graciosidade e leveza.
Com malemolência e uma quase malandragem brasileira.
Mas, cheio de nobreza daquelas que só encontramos  na Família Imperial Japonesa.
Passei a acreditar em alma gêmea.
Mas, ele nunca será metade.
É todo, inteiro.
É lindo.
E pousou com sutileza em minha vida, como pousa elegante uma gaivota.
Tem na pele a cor do som e a cor do sol quando nasce.
Melódica, luzente. Uma mistura entre a morenice instigante e a palidez sedutora.
Carrega presos em sua aura os olhares e desejos daquelas que o tiveram ou sonharam em tê-lo.
E é assim que é.
Tem a raríssima destreza de surpreender.
Sem precisar, já que traz o mar no olhar, ainda traz naquele verde de águas profundas, mas cristalinas, o brilho do anseio da plenitude.
Olhos que mesmo cerrados são belos como um livro de Neruda lacrado.
Tem braços que além da força estão sempre dispostos ao mais terno abraço.
É preciso dizê-lo.
Há em seu rosto a união do singelo e do exótico, e se não lembra um templo (quiçá budista), ao tocá-lo estamos prostrados em prece.
Em paz.
Tem o corpo.
Um copo.
Uma taça que serve um bálsamo inigualável.
Mas, a boca é.
É do hálito mais fresco, de aroma inolvidável e que transforma qualquer frase cotidiana em pura poesia.
E beija bem!
No corpo, o espaço justo para o meu.
Que me aninha como uma ave pequena e órfã.
E ali nada me falta.
Os pés, as mãos, os ossos, os cabelos, os poros, os pelos nos convidam ao amor.
O cheiro inebria e se divulgado seria disputadíssimo entre os maiores perfumistas do mundo.
As histórias, a voz, as palavras, o jeito de proferi-las é um espetáculo à parte.
E nada se compara a este espetáculo.
Nem ao da neve que cai.
Nem ao da lua que brilha.
Nem ao da nuvem que vai.
A pele, macia, é sensível como a alma.
E não falemos mais em alma.
Porque o poeta avisou: “Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. Deixe o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não.”
No entender  dos corpos percebo seus tantos centímetros a mais.
Ora me acolhe como um gigante, ora me exalta e me faz grande.
Desconfio que Deus o tenha feito seguindo a mais perfeita receita.
A vida é bem melhor depois de “descobri-lo”.
Tão melhor que chego a pensar que é sonho e me belisco.

Se ele não existisse, com sua generosidade ímpar, sua entrega desmedida, sua alegria contagiante, sua paixão desenfreada, certamente,  eu o inventaria.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Retrato do Desconhecido

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Ele tinha uns ombros estreitos, e a sua voz era tímida, 
Voz de um homem perdido no mundo, 
Voz de quem foi abandonado pelas esperanças, 
Voz que não manda nunca, 
Voz que não pergunta, 
Voz que não chama,  
Voz de obediência e de resposta, 
Voz de queixa, nascida das amarguras íntimas, 
Dos sonhos desfeitos e das pobrezas escondidas. 
  Há vozes que aclaram o ser, 
Macias ou ásperas, vozes de paixão e de domínio, 
Vozes de sonho, de maldição e de doçura. 
Os ombros eram estreitos, 
Ombros humildes que não conhecem as horas de fogo do 
amor inconfundível, 
 
Ombros de quem não sabe caminhar, 
Ombros de quem não desdenha nem luta, 
Ombros de pobre, de quem se esconde, 
Ombros tristes como os cabelos de uma criança morta, 
Ombros sem sol, sem força, ombros tímidos, 
De quem teme a estrada e o destino 
De quem não triunfará na luta inútil do mundo: 
Ombros nascidos para o descanso das tábuas de um caixão,  
Ombros de quem é sempre um Desconhecido, 
De quem não tem casa, nem Natal, nem festas; 
Ombros de reza de condenado, 
E de quem ama, na tristeza, a sombra das madrugadas;  
Ombros cuja contemplação provoca as últimas lágrimas. 
 
Os seus pés e as suas mãos acompanhavam os ombros  
num mesmo ritmo. 
Mãos sem luz, mãos que levam à boca o alimento  
sem substância, 
Mãos acostumadas aos trabalhos indolentes, 
Mãos sem alegria e sem o martírio do trabalho. 
Mãos que nunca afagaram uma criança, 
Mãos que nunca semearam, 
Mãos que não colheram uma flor. 
Os pés, iguais às mãos 
— Pés sem energia e sem direção, 
Pés de indeciso, pés que procuram as sombras e o esquecimento,  
Pés que não brincaram, pés que não correram. 
 
No entanto os olhos eram olhos diferentes. 
Não direi, não terei a delicadeza precisa na expressão  
para traduzir o seu olhar. 
Não saberei dizer da doçura e da infância daqueles olhos,  
Em que havia hinos matinais e uma inocência, uma tranqüilidade,  
um repouso de mãos maternas. 
 
Não poderei descrever aquele olhar,  
Em que a Poesia estava dormindo, 
Em que a inocência se confundia com a santidade. 
Não poderei dizer a música daquele olhar que me surpreendeu um dia, 
 
Que se abriram diante de mim como um abrigo, 
E que me trouxe de repente os dias mortos, 
Em que me descobri como outrora, 
Livre e limpo, como no princípio do mundo, 
Envolvido na suavidade dos primeiros balanços, 
Sentindo o perfume e o canto das horas primeiras! 
Não direi do seu olhar! 
 
Não direi do seu olhar! 
Não direi da sua expressão de repouso! 
Ainda não sei se era dele esse olhar, 
Ou se nasceu de mim mesmo, num rápido instante de paz 
e de libertação!  

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

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Harry,

Eu não te quero aqui.
Quantas mil vezes vou ter que repetir?
Eu te pergunto pra quê você por perto?
Pra me impedir de passar a "Noite na Taverna" ?
Não me venha com suas ideologias; não me pergunte "Que país é este?".
Eu vou continuar erguendo meu "Estandarte Auriverde".
Estou cansada de você, aquela noite foi "A Gota D'água".
Agora estou refazendo a vida, estou a procura d' "O bem-amado."Quero sentir "O coração disparado". E que seja "O bom crioulo", que viva bem comigo até aqui n' "O cortiço".
Não exijo nada mais que "Bagatelas" e "Alguma Poesia". Quero algo pra mim como "A mão e a luva". "O Estrangeiro" já não me encanta mais.
Quero viver o "Carnaval" o resto do ano; e pode dizer que tudo isso são "Idéias de Jeca Tatu", sabe lá, você, o que é isto ?
Aqui tudo é muito bonito.
Aqui as coisas não precisam de você. E você não vai entender.
"Deixa estar", eu cá com "Os Sertões" contemplando "Lampião". Você não sabe a beleza que há.
Não venha; não há necessidade de você aqui.
Já não basta "A Bagaceira" que estão fazendo com nossa "Tenda dos Milagres ?
Eu sei das suas intenções, por favor, não volte. E nem pense em me levar com você.
"Eu" quero passar aqui todos os "Dias e Noites" a ouvir "Várias Histórias", histórias da minha gente, do nosso folclore, histórias que nós entendemos, "Histórias Brasileiras".
Que fique você com as "Americanas" que virão, onde "Toda nudez será castigada".
Eu não as quero nem por "Cinco Minutos".
Não conte com sua "Moreninha" (que de sua não tem nada) "Para viver um grande amor", senhor Potter. Já é "Tarde".
Não me apareça "Nunca Mais".




Autores e obras citadas:

Álvares de Azevedo( Noite na Taverna), Mário Quintana (Que país é este?), Fagundes Varela (estandarte Auriverde), Chico Buarque de Holanda (A gota d'água), Dias Gomes (O bem amado), Adélia Prado (O coração disparado), Adolfo Caminha (O bom crioulo), Aluísio de Azevedo (O cortiço), Lima Barreto (Bagatelas), Carlos Drummond de Andrade (Alguma Poesia), Machado de Assis (A mão e a luva, Americanas e Várias histórias), Plínio Salgado (O estrangeiro), Manuel Bandeira (Carnaval), Monteiro Lobato (Idéias de Jeca Tatu), Cassiano Ricardo (Deixa Estar), Graciliano Ramos (Vidas Secas), Rachel de Queiróz (Lampião), José Américo de Almeida (A Bagaceira), Jorge Amado (Tenda dos milagres), Augusto dos Anjos (Eu), Tobias Barreto ( Dias e Noites), Visconde de Taunay (Histórias Brasileiras), Nelson Rodrigues (Toda nudez será castigada), José de Alencar (Cinco Minutos), Joaquim Manuel de Macedo (A moreninha), Vinícius de Moraes (Para viver um grande amor), Olavo Bilac (Tarde), Cecília Meirelles (Nunca Mais)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

MICHIGAN LAKE

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O QUE QUIS O “DESTINO” AO DECIDIR QUE EU NASCESSE PRETA NA BRIGADEIRO ?

POR QUE, CARGAS D’ÁGUA, AOS 8 SOFRI TAL TRAGÉDIA, EM DEZEMBRO E NÃO EM JANEIRO?

ME APAIXONAR PELA PRIMEIRA VEZ POR UM COMPOSITOR BAIANO ESTAVA EM MEU MAPA ASTRAL?

COMO ESCOLHERAM POR MIM QUE ANTES DE CONHECER CHICAGO EU DEVERIA CONHECER NATAL?

O CASAMENTO, ENTÃO, FOI DESEJO DE DOIS OU DE UMA SOCIEDADE INTEIRA QUE DISSE SIM?

QUÃO TRISTE É, ATÉ AOS 33, NÃO TER TIDO NINGUÉM POR NOVE MESESDENTRO DE MIM ?

SE MEU CAMINHO NÃO TIVESSE CRUZADO, HÁ QUATRO ANOS, O SEU, QUEM SERIA HOJE EU?

E A ÚNICA AFIRMAÇÃO É QUE SOU MAIS CHEIA DE MÚSICA, POESIA E DEUS.

E MESMO QUE ESTEJA A MILHAS DAQUI ME RESTARÁ A INSPIRAÇÃO QUE ME TROUXE OS OLHOS TEUS.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Gaiji

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Um pacote sem distintivo
Pacote, não, embrulho, adornado
Cheio de fita, laço, significativo
Perfumado e com flores decorado

Surpreendentemente, entregue em mãos
Encabulada, o recebí, certa noite
Não esperava e fui pega de supetão
Como algo que chega, de repente como a morte

Mas, não havia “passagem” alguma
Nem tampouco transformação
Era, certamente, o presente duma
Palpitação de um certo coração

Eu, pequena, furtiva, não conseguia
Permanecer com regalo em mãos
Que de tão pesado, quase me doía
Podia, distraídamente, derrubá-lo ao chão

Quando, apropriadamente, o abrí
Ví seu tão poderoso conteúdo
Sem plantar tal semente, como a colhi?
Sem pestanejar, o devolví com laço e tudo

Passado tanto tempo, sei
Que o pesado conteúdo não era de cimento
Era algo que não pude ter comigo, tentei
Era o teu, que devolvi junto com meu sentimento