sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O AMOR CHEGA

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O amor chega; num campo de futebol, por exemplo, numa segunda-feira chuvosa; depois da malhação de Judas em meio à algazarra; começa em restaurantes indianos sujos, diferente do cenário ideal que se sonhou; de repente, numa troca de notas durante a compra de pão em que as mãos se tocaram, fazendo com que ela repita o esmalte vermelho por semanas, talvez ele possa reconhecê-la por aí; no gris do crepúsculo; depois de um longo trajeto de ônibus em que uma mão segura o corpo e a outra abraça um livro duro e frio; e chega no enlace das mãos no cinema, como se o enlace das mãos gerassem dois novos seres, como se as mãos soubessem antes que o amor chegaria; no despertar do dia ao som das buzinas; e chega na feira em meio aos sabores das frutas suculentas e aos “dissabores” das alfaces; e no vendedor de pamonhas e seu alto-falante; chega na igreja, na reza, no encostar dos cotovelos; num acidente de carro quando, em acordo, há troca de telefones; no salto alto da vizinha do andar de cima; na pelagem de uma perna que passa; nas gravatas, nos biquínis; num poema; chega quando se planeja uma viagem ao Japão, onde o amor pode vir às avessas, escrito de baixo pra cima; o amor pode chegar; num carrinho de mão; no domingo, depois de um macarrão com almondegas que “prendem o estômago”; no sonho de parir, e se entregar em troca de sentir um amor maior, aquele que só traz o carregar do rebento nos braços; em casas de pé direito alto, com móveis de embaúba empertigados de nobreza, onde há mais interesse que paixão; e o amor chega na ventania que derruba papéis importantes e dois se agacham simultaneamente; num beijo de canto de boca; na doação de sangue; no ócio; na praia, no campo, na Paulista, no Jardim Marisa; no aluguel de uma casa com um único quarto, o amor começa; no inferno o amor não começa; na vontade de fazer amor ; em barquinhos pra Iemanjá o amor pode virar lixo; no amor demasiado pode virar crime; no egoísta, amor próprio; no aproveitador, bom negócio; numa carta inesperada, o amor começa ; numa carta esperada, e o amor começa; no desejo incontrolável; às vezes, começa à primeira vista; e muitas vezes começa nas bodas de prata ou ouro, quando realmente há tempo pra reconhecer o amor; e começa na China; durante a visita às pirâmides do Egito; num coração tantas vezes infartado, em que as recomendações médicas são:  estão proibidas as fortes emoções; na janela que se abre, na porta que se fecha; às vezes, não começa e ainda assim vive em si, como um rim ou um baço e continua existindo até que alguém o bote pra fora; às vezes, o amor começa como se nunca fosse acabar; e começa doce e afável; um abraço, um silêncio e começa o amor; na história inventada; no rum, janeiro, Carnaval, março; no primórdio século XIX, no saudoso século XX, na loucura do XXI; em todos os lugares o amor começa, a qualquer hora o amor começa; de qualquer jeito ele começa; o nosso começou na “rede”, e espero que no balanço de uma rede, como em cena de filme, passados cem anos de seu começo, ele possa acabar sem dor. Porque o amor acaba.