quinta-feira, 3 de março de 2011

Confissão


Eu nascí em 1946, e logo criança recebí um apelido que não era do meu agrado.
Acontece, que “carinho” de mãe é sempre de bom grado.
Pra tirar proveito disto, ví uma certa sonoridade no nome e decidí usá-lo profissionalmente, antes mesmo de escolher a área ou ferramenta profissional.
Escolhí a música, e estudei violão com Paulinho Nogueira, harmonia com Edgar Janulo, violão clássico com Isaías Sávio, orquestração com Léo Peracchi e Oscar Castro Neves. Em resumo, eu tinha tudo para ser grande.
Comecei a compor e a fazer um certo sucesso em meu país, mas não me era suficiente para compensar meu codinome mínguo.
Até que, aos meus 24 anos, conhecí um dos grandes poetas de meu país e acreditei que eu seria um enorme artista.
Comecei, a beber e a compor frenéticamente.
A poesia já consagrada dele coroando a minha música me tornava conhecido, famoso, quase um astro.
Foram mais de 120 canções, conhecí o mundo ao seu lado.
Eu não o amava, tinha o sórdido sentimento da inveja por ele.
Mas, simular uma amizade, quase um laço entre pai e filho, principalmente por nossa diferença de idade de 33 anos, trazia uma emoção maior para as entrevistas e para a visão do público, o que me trazia ainda mais prestígio.
Só que me sentia preso a ele, não suportava ser coadjuvante. Um minúsculo coadjuvante.
Sonhei, muitas vezes, que ele era um charlatão e era condenado por plágio, ou que sua nona esposa o traía e ele nunca mais voltaria a escrever.
Os sonhos tornaram-se pensamentos, e mais tarde, uma obsessão.
Depois de dez anos de parceria, sem mesmo conseguir um meio para a minha liberdade, quer seja criativa, artística ou simplesmente a liberdade pura e simples, decidi tomar uma atitude.
O velho bebia vodka pela manhã, e quando começava a escurecer partia pro whisky, eu tinha certeza que ele não duraria muito tempo.
Acontece que ele chegava aos 70, e eu não suportaria mais.
Quando, em 1980, ele é operado e recebe um dreno cerebral.
Sentia que ele morreria no dia seguinte, mas nada acontecia. Eu não aguentaria mais um mês. Ele teve relativa melhora, e comigo hospedado em sua casa organizou uma festa de aniversário pra mim com seus médicos e alguns de nossos amigos. Era demais pra mim.
Na noite de 8 de julho, eu não saí, e fiquei a sós com Vinicius. Tocamos violão, cantamos nossas músicas e relembramos histórias. Porém, meu único pensamento era em meu frasco com cianureto, onde além dos componentes químicos, havia o nome Antônio com letras grandes em neon; o meu verdadeiro nome.
Era minha liberdade.
Ele resolveu, na madrugada do dia 9,fazer um franguinho para nós (usava todas as palavras no diminutivo, para seu próprio destaque e parecer ainda maior)
O wisky não tinha fim, e com o paladar já falho, e minha coragem aguçada, coloquei a dose de veneno exata em seu drink.
O velho era duro na queda, fomos dormir.
Pela manhã fui acordado pela empregada e encontrei Vinícius na banheira, agonizante.
Sorri.
Fingí um certo desespero, até que liguei para o Hospital.
Minha vitória chegou junto com o estetoscópio do médico que o examinou e disse:
- Ele morreu há três minutos.
Subornei o delegado do caso, e nunca fui descoberto.
Dei grandes depoimentos comoventes, tive o país aos meus pés.
Mas, não da maneira que planejei. Segui carreira solo, mas, nenhuma de minhas canções sem Vinícius tiveram grande sucesso.
Fiz de tudo para ser grande, tirei a vida de um homem, coloquei a minha em risco, e de nada me adiantou.
Depois de conviver por 31 anos com este segredo, digo ao meu Brasil:
“Estou a disposição da justiça, cansei de ser pequeno, um “toco”. Sou o assassino confesso de Vinícius de Moares. Entrego à vocês a verdade e os originais do livro O dever e o haver que roubei de Vinicius junto com sua vida”.

Assinado:Toquinho
RJ 03/03/2011

1 comentários:

Anônimo disse...

Maestra, pensei em tantas outras possíveis sabotagens. Repita mais vezes. Sensacional.

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