domingo, 24 de janeiro de 2010

Todas as Cores da Dor (ao meu pai)


Infortunadamente a memória alegre me falha.
Da triste infantil lembrança, esmiuçada e rala,
Trago o joguete (da vida?) ganhado sem data especial.
Não mais imprevisto que o abraço resquicioso de um homem mal.

Em minha tenra juventude a alegria de abraços mil
Carregam a verdadeira essência de uma imagem pueril.
Atores, ardores, rancores? Tudo que vil antes não via, agora
Surgira. Partira a mentira, era o medo inóculo da solidão na boa hora.

Sobrara a visão clara de que me restavam migalhas premeditadas,
Restos transformados em ceia para quem as cata embaixo das mesas.
Se me faltaram amores, tinha prestado favores no conto que se ia.
Nova dor infinda quando busco e não vejo fraternos em minha agonia.

Deitada na cama larga, as horas da longa espera na noite fria,
Numa imensa devoção aqueço o leito para onde ninguém viria.
Certo de que se alguém viesse para aumentar o grau de meu coração
Gozaria a tal noite em meu cômodo peito e a paga seria a traição

Vitória esperava, com diferença de placar para o meu altruísmo,
Elogio pelo simples fato de, todavia não ter cedido ao abismo.
Sobre a mais grandiosa de todas as obras, da construção participei
E em troca agressões e abandono recebi de quem edifiquei.

Já em tempo tão distante, conto as chagas que estão incutidas em meu corpo.
Para que eu não as sinta, nem as nomeie com nomes conhecidos muito ou pouco,
Acaricio as feridas num tempo reservado que sei que me é tão escasso,
Observando apenas as cores, o brilho e nuance de um artista relapso.

Aprisionada (por eles ou por mim?) me encontro neste quarto vazio
Espio as paredes manchadas sem bem entender como ainda vivo.
Sem saber exatamente se o Mal ,de tal complicado nome, que trago é letal,
Aguardo duro diagnóstico que descreve uma futura forma fetal.

Não sei ao certo se esta é realmente a história que vivi
Ou apenas personagens de um único livro que lentamente li.
Às vezes, me vem a certeza de que sou eu a estranha autora
Deveras é longe e não me vejo nem leitora, nem a mulher pecadora.

Se, por acaso, eu pudesse escrever ou reescrever, faria breve.
Escuto o incentivo de meu generoso Pai com voz leve.
Ansiosa por uma história de sucesso, começo assim para que se faça jus
E disse Deus Haja luz em tua vida. E houve luz.

Na última página do livro com nova capa, ouve-se a gargalhada de criança
Que abruptamente, de um salto, com um beijo meu sorriso alcança
Aponta o roxo, amarelo, azul e vermelho de meus joelhos de pele carcomida
Cores de legítimas dores destes joelhos gratos e prostrados no jardim de minha refeita vida .

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